terça-feira, 31 de maio de 2011

Formas de formar


Ainda impressionado com a exibição do Barcelona na recente final da Champions League 2010-2011, resistirei à tentação de escrever sobre os aspectos técnicos da partida, não só por acreditar que os comentários abalizados já estão saturados, mas também para não desvirtuar do conceito do blog.
Contudo, não posso deixar de focar essa conquista sob um prisma mais ligado à gestão e assim, prestar algum tipo de reverência à equipe catalã.
Dessa forma, vale discorrer um pouco sobre  os diferentes modelos de gestão no que concerne à formação de equipes, utilizando como exemplo alguns times de projeção mundial.
Torna-se importante ressaltar que nenhum dos modelos que serão listados a seguir são estritamente “puros”, ou seja, nenhum dos clubes analisados adotam uma política absolutamente rígida na formação de suas equipes.

Chelsea e Real Madrid – Seus times são montados através da contratação dos melhores jogadores do mundo, independentemente da idade dos mesmos.
Trata-se de um modelo interessantíssimo sob o ponto de vista mercadológico, visto que a contratação de craques internacionais deixa o time atrativo e com simpatizantes em várias partes do mundo, o que traz reflexos positivos nas receitas de marketing.
Entretanto, não proporciona identidade à equipe, as aquisições muitas vezes não oferecem liquidez e valorização numa eventual renegociação, além de causar mais dificuldades de entrosamento na formação do time em função das características, algumas vezes pouco compatíveis, dos jogadores contratados.

Manchester United – Suas equipes costumam também ser formadas através da contratação de jogadores de outras equipes, entretanto prefere trazer profissionais jovens, o que implica em investimentos menores e riscos maiores.

Barcelona – Tem um trabalho extremamente focado na formação de jogadores, a grande maioria de sua equipe vem das divisões de base, onde os atletas crescem se preparando para executarem um padrão de jogo pré-definido, além de serem educados para amarem, respeitarem e adquirirem a cultura do Barcelona.
O próprio técnico campeão, Pepe Guardiola, foi jogador criado no clube, pelo qual jogou desde criança até se tornar profissional, o que contribuiu para criar sua identidade com a instituição.
Técnicos com esse senso de respeito são admirados até por adversários.

Expostos os três modelos, muitos devem estar se questionando sobre qual deles é o melhor.
Trata-se de uma pergunta bastante difícil se levarmos apenas em conta os resultados técnicos, afinal a imprevisibilidade do esporte é o que o faz tão apaixonante.
Entretanto, em minha opinião, o modelo do Barcelona é o mais adequado para clubes que pensam em longo prazo e que conseguem enxergar o esporte também como um instrumento de formação do cidadão.
Aliás, essa mesma tese deve ser estendida às confederações.

CIEP IDEALIZADO PELO GOV. BRIZOLA
Creio que uma boa educação seja condição indispensável para o futuro de uma nação, e assim, os clubes também deveriam assumir sua responsabilidade no cumprimento desse papel.
Um projeto bem executado junto às divisões de base auxilia na formação do cidadão e previne para que esses não se vejam envolvidos em condenações por falsidade ideológica, processos por agressão a mulheres e outros crimes bem típicos de quem não teve acesso à educação.

Corrobora para minha admiração pelo Barcelona, uma atitude que mostra bem como o esporte praticado por atletas de caráter pode unir pessoas e dar excelentes exemplos para a sociedade.

Nessa última partida, por estar machucado o até então capitão da equipe, Pujol (também formado nas divisões de base), começou o jogo no banco de reservas e só participou dos minutos finais da partida, esperava-se que sua entrada fosse uma forma de homenageá-lo com a oportunidade de receber em nome do time o troféu do campeonato.
Porém, surpreendentemente na hora da cerimônia, ele passou a braçadeira de capitão e a honraria para o jogador Abidal, que vinha de um afastamento de três meses para a retirada de um tumor no fígado.
Para quem não conhece, Abidal é um jogador negro nascido na França.

Em resumo, um simples gesto que trouxe valiosas mensagens:
A de que o sucesso não combina com vaidade, e o rotundo não à xenofobia e ao racismo.
Parabéns, Barcelona, essa é uma de suas diferenças.

6 comentários:

  1. Belo texto!
    Admiro muito o enfoque utilizado nesse blog. As considerações feitas a respeito do esporte e temas a ele relacionados, sempre inseridas num contexto mais amplo e não somente ao esporte por si só são muito apropriadas nesse momento em que vivemos, onde só o que importa é o aqui e o agora.
    Sem uma educação de base, nunca teremos um cidadão pleno, consciente de seus direitos e deveres, que participe da sociedade, seja como atleta, gestor, diretor, ou qualquer outra atividade que exerça.

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  2. Obrigado pelo comentário!

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  3. Parabéns! É este mesmo o ângulo correto da análise do esporte sob a a ótica da gestão. Sempre considerando a formação do caráter do cidadão, seja do atleta ou daqueles que acompanham o esporte como fãs.
    O veículo que conecta esses dois agentes é o clube, e este deve ser conduzido por meio de uma estratégia que valorize a eficiência da gestão estratégica, e ao mesmo tempo preserve e dissemine importantes valores, como ética e integridade.
    Outro ponto que destaco em seu post é a valorização do planejamento de longo prazo. Ele dá resultados, e nos faz pensar sobre a relevância do papel do gestor nos resultados obtidos quando o foco é de curto prazo.
    Bom tema para discussão.

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  4. Apesar de a maioria dos clubes brasileiros não oferecerem uma boa estrutura de formação, sempre revelaram bões atletas.Você acha que a Lei Pelé contribuiu para "desaceleração na fabricação" de grandes jogadores e que, no caso dos poucos que surgem, fica mais difícil rete-los por aqui?

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  5. Obrigado, Nelson!
    Concordo que o planejamento de longo prazo é primordial para uma gestão séria, a grande dificuldade é resistir as pressões que surgem quando os resultados de curto prazo ficam abaixo das expectativas da torcida.
    Muitas gestões acabam cedendo a essas pressões, o que consequentemente acabará se refletindo num futuro muito difíci.
    Abs

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  6. Caro Gigi
    Responsabilizar apenas a Lei Pelé pela desaceleração da formação de jogadores não me parece justo.
    A própria conjuntura econômica do país contribuiu para que o mercado externo fosse mais atraente, além disso, o despreparo de alguns gestores dificultam a execução de trabalhos sérios.
    Abs

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